PARTE 1: O QUE É FOOD DESIGN? 3 ARTIGOS PARA VOCÊ ENTENDER O ASSUNTO.

Hoje, resolvi escrever sobre um dos temas que pesquisei em 2014, o Food Design- uma das áreas de estudo do design.

Parte da minha motivação para a pesquisa em Food Design se deu pela inquietação de ver o tema ser encarado, na maioria das vezes, apenas por um dos vieses do design; o viés estético.

Numa série de três artigos, abordo o Food Design, para você entender um pouco desse assunto que vem ganhando espaço em vários países, dentro e fora das universidades de design.

Nesse primeiro artigo, antes de trazer o tema como é tratado na atualidade, traço um paralelo histórico entre: SOCIEDADE, DESIGN e ALIMENTAÇÃO.

No segundo artigo, intitulado “AS CATEGORIAS DO FOOD DESIGN” apresento as categorias do Food Design, segundo a IFDS (Sociedade Internacional do Food Design), e trago exemplos interessantes de aplicações na atualidade.

No terceiro e último artigo intitulado FOOD ERGONOMICS: O ESTUDO DA ERGONOMIA DOS ALIMENTOS apresento o termo Food Ergonomics que criei para chamar a atenção quanto aos aspectos da adaptação do projeto ao usuário.

UM PARALELO HISTÓRICO: SOCIEDADE, DESIGN e ALIMENTAÇÃO

Apesar de todas as evoluções tecnológicas e de modo de vida; para Hesket (2008), ainda somos muito parecidos com os povos que habitavam a China primitiva, a Suméria ou o Egito antigo. Vou esclarecer essa afirmativa.

No que diz respeito aos dilemas humanos, quanto a nossa necessidade básica de alimentação e capacidade de produzir design; continuamos buscando soluções inovadoras para os desafios e necessidades relacionadas a sobrevivência da espécia humana.

E assim como nos primórdios, onde o ser humano adaptava pedras, galhos e peles de animais na confecção de suas ferramentas e objetos diários para serem usados com maior eficácia na procura de alimentos e sobrevivência; também atualmente continuamos a adaptar nossas ferramentas (computacionais, espaciais, automotivas, etc) para o objetivo básico de manter a sobrevivência na terra (HESKETT. 2008,p.17).

A CULTURA MATERIAL DO DESIGN

Podemos dizer que os artefatos de design, aquelas ferramentas/ produtos que desenvolvemos, são:

um reflexo da nossa história cultural, política e econômica, ajudando-nos, portanto, a moldar a sociedade e afetando a qualidade de vida das pessoas (NORMAN; DRAPER, 1986).

Da inserção desses artefatos à cultura humana, surge a cultura material do design que nada mais é que a possibilidade de trazer à luz, determinada cultura por meio daquilo que é tangível, ou seja, por meio das coisas materiais – objetos, utensílios e artefatos.

A EVOLUÇÃO HUMANA POR MEIO DOS OBJETOS DE DESIGN

No infográfico abaixo, represento de um modo didático, essa tentativa de estabelecer marcos da evolução humana por meio da cultura material dos objetos de design.

Na primeira linha evolutiva, passo dos artefatos rústicos usados pelos hominoides aos desktops pelos “humanóides”.

Na segunda linha evolutiva, passo dos primeiros artefatos religiosos de representações femininas,  como a Vênus de Willendorf  à Nossa Senhora Aparecida.

Na terceira linha evolutiva, avanço da famosa cadeira de Michael Thonet (1859) a Cadeira Dino design fruitschaal de Aldo Cibic.

A linha evolutiva  e a cultura material do design. Fonte: Autoria própria (2013).
A linha evolutiva  e a cultura material do design. Fonte: Autoria própria (2013).

À toda essa evolução histórica dos modos de vida e evolução do design, aplicado aos objetos do cotidiano; atribuo a uma das necessidades primárias do ser humano, a alimentação como propulsora da própria evolução e logo abaixo explico por quê.

A ALIMENTAÇÃO E A EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE

As sociedades primitivas, que eram nômades em busca de alimentos; desenvolveram objetos como redes, arcos e flechas que ampliaram suas possibilidades de captação de alimentos.

Esse desenvolvimento de ferramentas, era uma adaptação cultural à necessidade de subsistência.

Idade da Pedra. Crédito de imagem: http://ohistoriante.com.br.
Idade da Pedra. Crédito de imagem: http://ohistoriante.com.br.

Desde então, podemos dizer que a evolução humana é entendida como processo da interação biológica e cultural (HOEBEL; FROST, 2006).

 Da necessidade básica da alimentação, foram desenvolvidas as ferramentas para a agricultura, foram fundadas as sociedades agrícolas e por fim as cidades.

A ALIMENTAÇÃO E A INDUSTRIALIZAÇÃO

Como comentado, a história da evolução humana é delineada pela alimentação e pelas habilidades produtivas dos alimentos.

A necessidade de subsistência levou ao domínio de técnicas de agricultura que foram determinantes nos modos de vida dos povos, na formação da sociedade e sua expansão.

Depois da industrialização e posteriormente com a revolução industrial; o estilo de vida da sociedade e seus hábitos alimentares, foram alterados.

Desse período, surgiram primeiros restaurantes.

O ALIMENTO COMO ARTEFATO DE DESIGN

Atualmente, questões como: a disponibilidade de recursos naturais, a distribuição em massa de alimentos, o envelhecimento da população mundial, a preocupação com a qualidade e segurança alimentar, as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), entre outros; exigiu da indústria alimentícia uma orientação estratégica diferenciada quanto aos próprios alimentos.

Tais questões implicam em um nível maior de responsabilidade aos fabricantes e designers de alimentos; o que levou ao surgimento de uma vertente do design que trabalha unicamente com os alimentos e tudo que se relaciona com a alimentação, o Food Design.

O ALIMENTO COMO PRODUTO DE CONSUMO

Os alimentos são produtos de consumo, mas se diferenciam dos demais, quanto ao uso e função; pois são ingeridos ou consumidos e tem como função principal manter a vida (LÖBACK, 2000).

Além do papel central como fonte de nutrientes, os alimentos podem ser considerados como gratificação emotiva ou por expressar uma relação social. (PORRETA, 2000).

FOOD DESIGN: UMA VERTENTE DO DESIGN

O Food Design é a categoria que se aplica ao design de produtos alimentícios e relacionados à alimentação. O termo Food Design surgiu por volta de 1997, na Europa, e atualmente é organizado pela Sociedade Internacional do Food Design (INTERNATIONAL FOOD DESIGN SOCIETY, IFDS).

De acordo com Martí Guixé, um dos precursores dessa disciplina, o Food Design torna possível pensar no alimento como um produto de design, um objeto que nega qualquer referência da cozinha tradicional e gastronômica.

A ATUAÇÃO DO FOOD DESIGN

Já pensou em bolo que mostrasse de maneira visual,  quantidade de seus ingredientes?

Martí Guixé, I-cakes, 2001. Photo by Imagekontainer/Knölke
Martí Guixé, I-cakes, 2001. Photo by Imagekontainer/Knölke

Essa é a proposta de Martí Guixé, com o protótipo I-cakes. A  torta gráfico, indica a porcentagem dos ingredientes.

Dar novas formas, cores, visual e até mesmo novas funções ao alimento, fazem parte das tarefas do food designer.  Enrique Luis Sardi, desenvolveu o Cookie Cup para a empresa italiana Lavazza.  Feita de biscoito e revestida internamente com um açúcar especial, a xícara pode ser comida depois de utilizada.

Xícara Cookie Cup. Crédito: Lavazza.
Xícara Cookie Cup. Crédito: Lavazza.

Existem muitas outras atividades desempenhadas pelo food designer, como projetar utensílios, melhorar a configuração do alimento para facilitar seu consumo ou adaptá-lo a receitas, como é o caso dos formatos de macarrão que permitem reter maior quantidade de molho.

Fussili de Michael Maehring.
Fussili de Michael Maehring.

Na área de projeto de embalagem, por exemplo, food designers, vem buscando se adequar cada vez mais as necessidades do consumidor; indo além das funções primárias da embalagem de proteção para o uso.

Embalagem de manteiga com graduação para facilitar preparação de bolos. Fonte: Greenhalg (1997).
Embalagem de manteiga com graduação para facilitar preparação de bolos. Fonte: Greenhalg (1997).

Como pôde ser exemplificado, esta vertente do design propõe pensar em todos os aspectos que envolvem os alimentos.

O PENSAMENTO SISTÊMICO NO FOOD DESIGN

Pensar desde o alimento em si, a embalagem, os ambientes, etc, requer pensar sistematicamente na questão dos alimentos.

Pensar sistemicamente  o design e a inovação na questão da alimentação, implica em considerar fatores ergonômicos, funcionais, de segurança, comunicacionais, interativos e sensoriais, envolvidos no ato de se alimentar e/ou na produção, distribuição e comercialização dos alimentos.

NO PRÓXIMO ARTIGO

No próximo artigo intitulado “AS CATEGORIAS DO FOOD DESIGN apresento as categorias do Food Design, segundo a IFDS, com interessantes aplicações no projeto de alimentos

Referências:

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Agradecimentos a CAPES pelo incentivo financeiro ao projeto de pesquisa.

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